Monday, 15 April 2024

Fei Hok Phai em Niterói 1/2

 FEI HOK PHAI em NITERÓI -  início 1/2

Iniciei meu treinamento no Kung Fu do Fei Hok Phai em 1985. No ano anterior havia assistido no cinema ao lançamento do filme "Karate Kid", um filme de artes marciais e drama romântico estrelado por Ralph Macchio ("Daniel Larusso") e Noriyuki "Pat" Morita ("Mestre Myiagi"). 






O filme narra a história de um desajeitado jovem que, após se mudar para uma nova cidade, deseja aprender karate para se defender de um grupo de jovens agressores. O jovem "Daniel" convence um experiente mestre japonês - "Mestre Myiagi" - a lhe dar aulas de karate. Essas aulas acabam se transformando em lições de vida.

A cena mais icônica do filme é o "chute da garça" com o qual "Daniel Larusso" ganha a luta final do campeonato. Classificado por gerações de artistas marciais como "ridículo", "ineficiente", "ilusório" e "impossível" de ser usado em lutas de contato total, este chute vai esperar algumas décadas até que, em 2012, foi resgatado de sua posição marginal por um outro karateca, Lyoto Mashida, em uma luta de contato total contra Randy Couture no UFC 129.


"Karate Kid" foi um sucesso entre os jovens. Na repercussão do filme, as academias de karate encheram de novos alunos. Empolgado com o efeito pós filme, conversei com um colega da escola - Fabio - que praticava karate com um velho "Sensei" japonês e fui assistir um treino em sua academia. 

A academia funcionava na parte superior da residência do "Sensei" onde, em um enorme salão  coberto com tatames, ele recebia seu grande número de alunos para os treinos diarios.

 

Seu nome era Tokio Mao (1924 - 2018). Ex-piloto kamikaze que sobreviveu a uma ação militar na ilha de Luzon, localizada no extremo norte das Filifinas, em Novembro de 1944. Tokio Mao veio para o Brasil em 1954 para trabalhar como engenheiro químico - sua outra formação era em filosofia - e por aqui ficou. Sua vida é tema do documentário de Marina Pessanha "Tokio Mao - o último kamikaze" (2018).

Adorei o treino que assisti, fiquei fascinado com a mobilidade daquele velho samurai de 60 anos e voltei para casa determinado a treinar karate. Infelizmente minha determinação foi interrompida diante da informação fornecida por minha mãe de que o kimono de treino era muito caro.

Nesta mesma época encontrei com um outro colega (João), que era faixa marrom de karate no Tokio Mao, e lhe perguntei se continuava praticando karate. Praticavamos musculação na mesma academia e João chamava a atenção com sua flexibilidade e seus movimentos sempre bem coordenados e precisos. João me contou que havia parado de treinar karate e estava praticando uma nova modalidade: kung fu. O professor era novo na cidade. Havia chegado há pouco tempo vindo de São Paulo e era tecnicamente muito bom. Achei interessante a novidade, lembrei dos filmes do seriado de televisão "Kung Fu", dos chutes e dos ensinamentos filosóficos. Mas também me lembrei do preço do kimono. Fui então surpreendido pela informação de que no kung fu não usavam kimono. Achei ótimo! Sem o custo adicional do kimono, seria finalmente possivel iniciar meus treinos,  não de "Karate Kid", mas de "Kung Fu Kid". Devia ser parecido, pensei.


Meu conhecimento do universo das artes marciais era praticamente nulo. Não sabia diferenciar entre as diversas modalidades. Judô eu sabia que era para agarrar e jogar no chão. Afinal, inúmeras vezes na infância pude ter a experiência de ser arremessado ao chão por um primo que praticava Judô. Karate me remetia ao filme "Karate Kid" e kung fu ao seriado com David Carradine. Bruce Lee não fazia parte do meu imaginário marcial. 

Em 1985 as informações escritas em português sobre artes marciais eram excassas. Após iniciar meus treinos no Fei Hok Phai, lembro de ter visto um livro de capa dura de Tae Kwon Do ("Aprenda Tae Kwon Do" - Woo Jae Lee, Yong Min Kim e Luis B. Mergulhão F°) e ficar fascinado com as imagens, com a variedade de chutes, a terminologia em coreano e as aplicações técnicas. Lembro também que esse livro custava uma fortuna. 


Livros sobre kung fu eram raros. Existiam alguns livros do Marco Natali (Ediouro). Porém o livro que eu mais encontrava nas livrarias era o "Guia Completo de Kung Fu e Tai Chi" (Bruce Tegner).  Apesar da variedade de fotos, nunca me convenci que valeria a pena comprá-lo. Puro preconceito. As fotos pareciam antigas, os praticantes pareciam desajeitados, e as roupas de treino fora de moda.


Neste período inicial de treinamento, as principais informações sobre o estilo de kung fu que praticava eram fornecidas oralmente pelo professor. Valdemir Machado ("Indio" 1959) havia se mudado para Niterói (RJ) no ano anterior - 1984. Desde 1973 ele treinava Fei Hok Phai direto com o fundador do estilo, Chiu Ping Lok ("Mestre Lope" 1938 - 2009). Como "Shiren" (professor) do estilo, Valdemir já tinha formado vários faixa-pretas do Fei Hok Phai e sido sócio de Marcos Hourneaux ("Marcão") na Academia Técnicas em São Paulo SP. Em uma entrevista publicada no canal do YouTube "O que sei sobre tigres e dragões" - EP#59 Marcos Hourneaux - Marcão conta várias de suas memórias sobre o ambiente das artes marciais na capital paulista na década de 1970 e 1980. 

As apresentações do grupo de alunos e professores da Academia Técnicas faziam muito sucesso. Em 1985 visitaram Niterói para ajudar Valdemir a divulgar o kung fu na região. Além do Índio e do Marcão, alguns professores que também se apresentaram na cidade foram: Jair Lima, Nilson Alves, Espedito "Pantera Negra" e Valdir Machado (irmão do Valdemir). Não assisti a essas apresentações pois comecei a treinar depois. O João - o karateca flexível - assistiu e ficou bastante impressionado com o elevado nível técnico dos praticantes de kung fu. 

Também é deste período as informações produzidas pela Academia Tai-Chi de Santo André SP contando num breve texto, impresso em uma simples folha de papel, a história do Fei Hok Phai e de seu criador - Mestre Lope. Valdemir costumava distribuir esta folha com as informações básicas do estilo entre seus alunos.












- continua em 2/2 - 

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